quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Na época de cavalos, alados.


Erasmo, o corajoso. Caiu no chão após um tiro no peito, sabe-se lá de onde veio este diacho deste tiro, sabe-se apenas que o atingiu, e só uma bala para derrubar um homem que ama. Em uma das mãos apenas meia dúzia de rosas vermelhas mortas, visivelmente murchas e escurecidas por causa do tempo. Naquele tempo, era comum homens serem um tanto mais maleáveis, até rosas colhiam para as suas amadas. Naquele tempo, neste novo não.
Seus olhos azuis já eram tomados por um vermelho sangue que reluzia o medo da noite, e lágrimas de dor e sofrimento escorriam-lhe pelo rosto molhando a gola de sua camisa preta. Tão cheirosa e macia, para terminar a noite jogada no chão sujo e ainda espirrada com gotas de glória fracassada. Laguna, doce bela, porque ainda não havia chegado?
E ele lá caído, vendo o filme da própria vida passando na cabeça sem ter tempo de ver os créditos no final, só lhe restavam poucos segundos para chorar e lamentar a nostalgia. E era só se aproximar um pouquinho do rosto dele que era bem possível ouvir os gemidos e soluços bem baixinhos, uma dor que eu nem sei se suportaria sentir. Naquele tempo, ter força e não desistir tão fácil, também era comum.
Um lindo rapaz apaixonado por uma doce donzela sonsa vinda de Paris.
E para que tanto amor? Para que tanta paixão? Se ao morrer não se espalham e nem envenenam todo o chão na qual tocar.
Um só tiro e tirou todo o certo do lugar.
Seria melhor se carregasse flores de plástico, só assim assistiriam tudo e contariam a história com final trágico para a moça que bordava acanhada na varanda. Aquela mesma que inveja um belo amor, aquela feia, sem sal e com uma péssima combinação de vestidos e sapatos. Naquela época, isso já era reparado.
E o moço lá, na mesma posição, no mesmo chão, na mesma vontade de viver para dizer à sua outra metade que a amava por toda a eternidade e aí sim ele poderia morrer.
As pessoas se amontoavam em volta do corajoso que não largava as flores, não corajoso por ainda estar respirando depois de um tiro no peito e sim por arriscar e aceitar o amor entrando em sua morada e derrubando mesas e tropeçando nas escadas e destruindo tudo, até a sala de estar. Então no fim da multidão, ouviu-se a voz da solidão ou da menina que morria em partes.
Era a francesa Laguna, doce bela, chorando em busca de refúgio ao ver seu amor morrer, morrer, morrer aos pouquinhos, numa lentidão de dar dó. Os cordões dos sapatinhos mal estavam atados, o cabelo mal penteado. Deveria estar em paz na sua casa, até que recebeu a notícia, a novidade não muito boa que chegou com pressa pela janela do quarto. Sabe-se lá o que bexiga ela fazia, deveria estar pintando uma tela, lendo Shakespeare, ouvindo Beethoven. Naquela época era moda ser culto, inteligente.
Então, como eu dizia, ela engoliu a pressa como se fosse energético e saiu correndo com esperança de ainda alcançar seu amado com vida. Vã ilusão.
Com muita delicadeza e afeição, ela pegou a meia dúzia de rosas vermelhas em uma das mãos, e guardou-as como quem guarda uma vida. Naquela época, era comum amar e amado ser.
Ali estava a vida de Erasmo, o corajoso. Dentro do bolso de Laguna, doce bela.
E 37 anos mais tarde, lá se encontrava dentro de um livro de poesias velho e maltratado pelo tempo, escondido na última gaveta do armário, a mesma meia dúzia de rosas mortas. Naquela época, ter um escritório rodeado de livros mais antigos ainda, era comum também.
E quando o livro foi aberto, além das rosas, vieram as lembranças de um amor jamais esquecido, um sentimento jamais apagado e do coração de uma moça congelado no passado. O amor é mesmo complicado, quem ousa se arriscar?

Nenhum comentário: