quinta-feira, 25 de março de 2010

Branquinho dos olhos de areia


Eu lembro que ela entrou na sala – ela, a bombeira – soltando fogo pelas ventas e parecendo um tiro de espingarda.
- Eu descobri tudo, eu consegui tudo! Eu falei que ia desmascará-lo.
E desmascarou mesmo. Ele, coitado, perdeu uma grande mulher. – Ele, o marido da bombeira.
Ou melhor, coitado é o caralho, ele, otário, perdeu uma grande mulher. E logo ela, a moça que apaga fogo às pressas estava mesmo era morrendo de vontade de atear fogo no mundo. Cabum! Explodir tudo de vez e recomeçar essa merda de novo, para ver se dessa vez dá certo.


Enfim, como eu estava dizendo, ela descobriu tudo. Onde a moça trabalha, onde mora, com quem mora, seu endereço eletrônico, sua estatura, sua função no trabalho. A moça. A moça? Como hei de chamar uma mulher deste tipo de moça? Eu vi as provas, a bombeira mostrou tudo. “A moça” não passa de uma oferecida, do tipo sem valor, mas com um preço que até pode negociar.
A bombeira tremia e criava planos mirabolantes, mas que se tinha para fazer? Como ela deveria estar se sentindo? Como uma mulher deve se sentir? Esquecida, deixada para trás, mal amada, mal tocada, invisível. Deve se sentir como se não merecesse um “Boa tarde”, como se não merecesse nada, nem sequer o respeito nem como esposa, nem como batalhadora e tampouco como ser humano, como mulher. Faz almoço, faz jantar, lava a louça, arruma a cama, chama para deitar, manda beijo, tenta abraçar, pede desculpas e no final? No final não lhe resta nada. A não ser um cansaço intenso e um vazio que sono algum consegue preencher.


Nós estamos no mesmo barco, bombeira, estamos no mesmo barco. E vamos depositar forças nos braços para remar senão a gente se afoga.
E nesse medo de afogar eu voltei para casa, pensando nas milhões de chances que eu dei e que no final me voltaram como facas afiadas cravando uma a uma entre uma vértebra e outra da minha coluna. Creck, creck, creck...
Eu te falei, menino, eu te pedi. Eu falava “Meu anjo, meu anjo, confia em mim, me conta, não me deixa descobrir.” Como você conseguiu? Diz para mim, como você consegue olhar para a minha cara todas os dias sem nem um pingo de remorso?
Branquinho, Branquinho, a vida não é assim tão fácil não. Tudo o que vem fácil, vai fácil e somos nós que ficamos no difícil. Eu sei que não sou a melhor das criaturas, que tenho lá meus espasmos, mas Branquinho, Branquinho, seus olhos com cor de areia não conseguem mais mentir para mim. E nesse peito aqui, ó - “toc toc” – nesse peito aqui não entra mais faca afiada não. Vem, Branquinho dos olhos de areia, bate aqui, está ouvindo? Está ficando cada vez mais oco, daqui a pouco se falar muito perto vai ecoar lá no outro lado do mundo, na China, onde o pessoal tem olhinhos estilo tela widescreen.


Só me atinge porque eu não posso compreender, eu não quero compreender, é difícil acreditar em alguém e de repente ver que não se pode mais. Conseqüentemente, a sua confiança em todo o resto do mundo vai para o saco.
Eu sei que daqui a pouco você vai levantar dessa cama e dizer que jura que não fez nada, vai pedir para que eu acredite em você e encher os olhos de carência. Mas Branquinho, o primeiro passo já foi dado e eu não vou te deixar dar esse segundo passo não. Não pense que eu vou ficar esperando para tomar alguma atitude, esperar cansa e minhas costas doem. Talvez por causa das facas afiadas e enfiadas ocupando o lugar dos meus discos cartilaginosos já destruídos, talvez por isso, deve ser isso. Você tem boa pontaria, meu rapaz, você tem boa pontaria.


Eu mesma tentei acertar meu corpo inteiro em um calabouço e sempre errei. Talvez além de pontaria você tenha mais coragem do que eu. Mas é assim mesmo Branquinho com os olhos de areia, é assim mesmo, algumas vezes algumas pessoas não conseguem falar o que tanto querem e agem para transmitir a mensagem, e eu já compreendi. - Essa é a chamada Teoria do signo, no meu ramo. - Suas escolhas são suas escolhas e não posso fazer das suas as minhas, portanto, fique em paz. E perdoe se não quis ser cúmplice da sua tentativa frustrada de resgatar o passado sujo para s(m)eu presente também sujo, mas eu ainda tenho uma grande intenção de limpar.
Apesar de que ainda tenho a grande vontade de acertar o centro do calabouço, enquanto isso, eu vou tentar evitar que tudo fique pior.


Branquinho dos olhos com cor de areia, eu pensei que estava escrito nas estrelas, eu pensei. Pensei até que mesmo quando o sol raiasse eu conseguiria ler, mas essa noite a estrelas esqueceram de escrever e quando esquecem uma vez, elas nunca mais recordam.

quinta-feira, 4 de março de 2010

Eu encontrei, encontrei o meu amor.
Deste ângulo vejo apenas costas, um caminho cada vez maior
e um Adeus muito mal dito.
Ele diz que me ama, mas está indo embora
Diz, mas vai.
Como dói aqui dentro.
Tente encontrar sem procurar tanto assim, apesar da vida curta, sempre há tempo.
Das promessas eu parti, tudo em busca de um sonho que eu não quis deixar morrer. É preciso encontrar alguém que te queira gorda, que te queira séria, que te queira aos prantos, aos risos, aos litros, aos trancos, aos barrancos, ao nada, ao deus dará. É preciso encontrar alguém que apenas te queira, sem nenhum estereótipo.

quarta-feira, 3 de março de 2010

Isso dói, mas passa.

O dia que não deveria ter nascido.




Hoje não é um dia bonito, qualquer cantiga de ninar me entristece, qualquer sorriso por nada me emputece. Hoje não é um dia bonito, cheio de esplendor e simplicidade a flor da pele.
Qualquer notícia boa ou ruim não manifesta nenhuma reação, é um daqueles dias para se cansar, cair e deitar no chão da sala e sumir por toda tarde. Um daqueles dias que eu preferia que não existisse, que pudesse ser apagado de alguma maneira do meu calendário. Não, não é. Não é um dia lendário, o dia em que você me deixou.
É um dos dias que se finge que não houve e finge que está tudo perfeitamente em seu lugar, faz o que deveria fazer, fala o que deveria dizer, sorri para não constranger outrem, conversa qualquer coisa que pareça inteligente ou interessante, fuma um cigarro, conta uma piada, levanta e dança, mas quando chega em casa se tranca no quarto e chora. Chora até amanhecer o dia e ter que começar tudo de novo, como uma única opção.
Hoje não é o melhor dos dias, o café sempre tão amargo por mais que se coloque açúcar, o travesseiro o tempo inteiro encharcado por mais que se esprema, os lençóis quase sempre mal feitos, o guarda roupa o tempo inteiro fechado para não deixar o espelho refletir o que tanto me dói, guardar só para mim, bem no meu âmago, no meu coração, no meu poço de tristeza sem fim. Deixa o espelho guardado que hoje é dia de sumir e nem olhar na minha cara, sumir para onde eu possa me encontrar, me perder mais do que isso não dá mais.
O dia em que os fatos vêm a tona e tudo o que eu menti chove em mim como verdade. Para mim ele não é só o homem que foi comprar cigarros e nunca mais voltou, ele é o homem que foi comprar cigarros levando um pedaço de mim e nunca mais voltou.
Hoje não é um dia de boas lembranças, hoje é dia de saudades. Hoje é dia de colocar os pingos nos is e se perder nessa cidade. Cumprir o prometido, fugir do prejuízo pela noite do juízo final, hoje é dia de beber tequila com muito limão e uma pitada de sal. Não ter hora para voltar, dar voltas no quarteirão, ouvir música alta, correr, correr muito, liberar todas as energias para chegar em casa e conseguir dormir sem esforço ou repetir o dia de ontem, chorar, chorar e a cantiga de ninar ser os soluços que fazem adormecer.
Hoje não é o dia mais bonito porque eu fui à padaria da frente e não tinha sonho quentinho, eu preciso de um sonho tirado do forno, com açúcar por cima. Meus sonhos já não servem mais.
Hoje é um daqueles dias que se finge que não ouve para não ter que falar o que ninguém quer ouvir, finge que não vê para não demonstrar que dói, ou finge que viu e que simplesmente não dilacerou o peito por dentro. É um daqueles dias que tem mais é que esperar o outro dia chegar. Um dia que não acaba, que não chega logo a hora que você quer que chegue e que você sabe que quando a hora chegar você não vai mais ter palavras para dizer o que tanto quis, o que sempre quis, o que o silêncio calou. O que a saudade calou. O que o medo calou. O que o susto calou. O que a vontade calou.
Quem tirou você de mim? Quem invadiu o meu mundo para roubar o que é meu e fazer da minha vida um troféu para usar? Para colocar no chaveiro, jogar para um lado e para o outro e depois grudar na parede, como um quadro pintado por um artista qualquer, para mostrar que qualquer coisa na parede arte, mas na verdade qualquer vida em qualquer parede é arte. Quem roubou minha arte? Minha identidade? Minha assinatura? Meu sono? Meu porto seguro, meu frio, meu calor, meu sorriso, meu motivos, meus motivos, meus milhões de motivos, meus planos, meus sonhos mesmo que frios e sem açúcar. Quem roubou? Quem foi que tirou tudo de mim e ninguém viu?
Você.
Você bem que poderia me aparecer esta noite, sorrindo de novo, com carinho talvez, eu teria tudo o que me roubaram e ainda teria um pouquinho mais. Muitos pouquinhos mais.