quarta-feira, 3 de março de 2010

O dia que não deveria ter nascido.




Hoje não é um dia bonito, qualquer cantiga de ninar me entristece, qualquer sorriso por nada me emputece. Hoje não é um dia bonito, cheio de esplendor e simplicidade a flor da pele.
Qualquer notícia boa ou ruim não manifesta nenhuma reação, é um daqueles dias para se cansar, cair e deitar no chão da sala e sumir por toda tarde. Um daqueles dias que eu preferia que não existisse, que pudesse ser apagado de alguma maneira do meu calendário. Não, não é. Não é um dia lendário, o dia em que você me deixou.
É um dos dias que se finge que não houve e finge que está tudo perfeitamente em seu lugar, faz o que deveria fazer, fala o que deveria dizer, sorri para não constranger outrem, conversa qualquer coisa que pareça inteligente ou interessante, fuma um cigarro, conta uma piada, levanta e dança, mas quando chega em casa se tranca no quarto e chora. Chora até amanhecer o dia e ter que começar tudo de novo, como uma única opção.
Hoje não é o melhor dos dias, o café sempre tão amargo por mais que se coloque açúcar, o travesseiro o tempo inteiro encharcado por mais que se esprema, os lençóis quase sempre mal feitos, o guarda roupa o tempo inteiro fechado para não deixar o espelho refletir o que tanto me dói, guardar só para mim, bem no meu âmago, no meu coração, no meu poço de tristeza sem fim. Deixa o espelho guardado que hoje é dia de sumir e nem olhar na minha cara, sumir para onde eu possa me encontrar, me perder mais do que isso não dá mais.
O dia em que os fatos vêm a tona e tudo o que eu menti chove em mim como verdade. Para mim ele não é só o homem que foi comprar cigarros e nunca mais voltou, ele é o homem que foi comprar cigarros levando um pedaço de mim e nunca mais voltou.
Hoje não é um dia de boas lembranças, hoje é dia de saudades. Hoje é dia de colocar os pingos nos is e se perder nessa cidade. Cumprir o prometido, fugir do prejuízo pela noite do juízo final, hoje é dia de beber tequila com muito limão e uma pitada de sal. Não ter hora para voltar, dar voltas no quarteirão, ouvir música alta, correr, correr muito, liberar todas as energias para chegar em casa e conseguir dormir sem esforço ou repetir o dia de ontem, chorar, chorar e a cantiga de ninar ser os soluços que fazem adormecer.
Hoje não é o dia mais bonito porque eu fui à padaria da frente e não tinha sonho quentinho, eu preciso de um sonho tirado do forno, com açúcar por cima. Meus sonhos já não servem mais.
Hoje é um daqueles dias que se finge que não ouve para não ter que falar o que ninguém quer ouvir, finge que não vê para não demonstrar que dói, ou finge que viu e que simplesmente não dilacerou o peito por dentro. É um daqueles dias que tem mais é que esperar o outro dia chegar. Um dia que não acaba, que não chega logo a hora que você quer que chegue e que você sabe que quando a hora chegar você não vai mais ter palavras para dizer o que tanto quis, o que sempre quis, o que o silêncio calou. O que a saudade calou. O que o medo calou. O que o susto calou. O que a vontade calou.
Quem tirou você de mim? Quem invadiu o meu mundo para roubar o que é meu e fazer da minha vida um troféu para usar? Para colocar no chaveiro, jogar para um lado e para o outro e depois grudar na parede, como um quadro pintado por um artista qualquer, para mostrar que qualquer coisa na parede arte, mas na verdade qualquer vida em qualquer parede é arte. Quem roubou minha arte? Minha identidade? Minha assinatura? Meu sono? Meu porto seguro, meu frio, meu calor, meu sorriso, meu motivos, meus motivos, meus milhões de motivos, meus planos, meus sonhos mesmo que frios e sem açúcar. Quem roubou? Quem foi que tirou tudo de mim e ninguém viu?
Você.
Você bem que poderia me aparecer esta noite, sorrindo de novo, com carinho talvez, eu teria tudo o que me roubaram e ainda teria um pouquinho mais. Muitos pouquinhos mais.

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