segunda-feira, 12 de maio de 2008

Construção de outra vida


- Se você fosse uma casa, onde gostaria de ser construída?
- No topo de uma rocha, a rocha mais alta, mais bonita, de frente para o mar.
Gostaria de ser construída lá no alto, onde eu pudesse ouvir o canto dos pássaros sem que buzinas intrometidas interferissem, onde pudesse sentir as gaivotas passando voando sobre minha cabeça e posassem na minha cadeira impermeável, onde as ondas do mar que batessem nos pés da minha rocha fizessem um barulho tão alto e bonito que eu pudesse ouvir lá de cima e interpretasse como uma canção de ninar, seria a minha canção de todas as noites.
As ondas menores batendo nas pedras fariam o back vocal e eu seria a bailarina, de braços abertos sem medo de cair. A altura não seria maior que a dor aqui de dentro. Acordaria pela manhã e abriria a janela, veria o sol nascer e quando ele fosse se pôr eu gostaria de estar lendo um livro, tomando um chá, ou no mínimo desligando a tevê.
Gostaria de ser uma casa de vidro, onde pudesse ver o dia e a noite passando por mim tão lentamente quanto o câncer que me mata aos poucos, bem aos poucos. Minhas portas não teriam chaves, e para chegar lá em cima só precisaria apertar um botão, se fosse você, é claro. Se fosse qualquer outra pessoa, teria que se acostumar com a vista pequena lá de baixo, com a altura que deixa qualquer um tonto, lá de cima seria uma das minhas diversões. Na minha casa nem teria chaminé, os papais-noéis não alcançariam e a fumaça dela ia se difundir no espaço, e eu continuaria a ler meu livro e tomar meu chá.
Se eu fosse essa casa, ela seria repleta de quartos vazios, de salas de estar cheias de almofadas e ninguém, eu disse: Ninguém seria capaz de tomá-la de mim, pois ela seria inteiramente sua. Da porta de entrada até a porta dos fundos.
Seria a casa solitária mais que já poderia ter sido construída, sim, seria eu.
Só e forte, turbulência nenhuma a tiraria do lugar,a desceria um degrau sequer.
No Natal seria toda iluminada, cada metro quadrado teria uma luz, poderia até ser atração para a cidade, mas eu não me importaria se não fosse atração para você. Eu gostaria de ser essa casa.
- Pois é, então apresento-lhe, minha cara Casa. Mais um degrau que o Amor nos tira, da escada que parece ser sem fim. Você não teria artérias, nem pulsaria o tempo inteiro, mas eu sei exatamente quem você abrigaria lá dentro.
- E ainda seria um abrigo eterno.

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