quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Previsível.

Em um instante, em outro instante, eu até pensei em te esquecer. Como quando a gente tenta esquecer uma cena triste, ou tenta esquecer alguém que ama para não doer.

Eu até gostaria muito de lhe pedir para ficar. Mas ficar mesmo, tipo... NÃO ir. De maneira alguma, nem nos pensamentos. Não deu certo.

E agora eu assisto você atravessar a avenida, com as mãos nos bolsos, chutando amêndoas pelo chão e ouvindo música. Deve estar ouvindo Rammstein, você está viciado nos nazistas.

Olha para cima como quem olha se vai chover, mas do jeito que você é e eu conheço muito bem, deve mesmo é estar procurando um disco voador porque viu na tevê que eles existem de verdade. Muitxo não, viu?

De tanto olhar para cima esqueceu que a vida real é mais embaixo e acabou por esbarrar na velhinha e pediu desculpas, com a cara mais cínica. Ela lhe chamou de “filhodeumaputa” com um sorriso estampado no rosto, e você sorriu de volta e saiu andando, não estava ouvindo nada mesmo.

Andou em frente, virou à esquerda e desapareceu da minha visão.

Deve ter andado um pouco mais adiante, deve ter logo em seguida atravessado a pista desembestado e não ouviu as buzinadas dos carros, deve quase ter sido atropelado por uma bicicleta por tamanha falta de atenção. Andou mais um pouco, acendeu um cigarro, o último cigarro filho de mãe solteira com o zippo prateado mais bonito que eu já vi. Tem um abutre de um lado e do outro tem uma moto com relevância e o fogo não tem cor de fogo, tem cor de inferno. Agora sim, pode imaginar.

O Marlboro já amassado tirado do bolso do casaco acabou quebrando o galho até chegar na próxima banca de revistas. Chegou.

Você deve ter olhado a banca pelo menos duas vezes pelo lado de fora, com aquele ar de desconfiado que só você sabe ter até nas situações mais singelas. Deve ter tirado só um fone e falado um pouco mais alto que o normal, como se quem estivesse ouvindo música alta fosse a moça do caixa e não você. Pediu a carteira de Marlboro, pagou, pegou o troco, colocou o fone e foi direto para a casa do Fernando.

No mesmo ritmo, na mesma amêndoa, no mesmo bolso.

Chegando lá o vagabundo estava dormindo, mesmo cheio de trabalhos da faculdade para fazer. Então a mãe dele falou que você podia subir e acordá-lo enquanto ela ia tirar o bolo do forno. Você não ouviu, sorriu, subiu e jogou a bola de baseball na barriga dele como você sempre faz, por isso nem tira mais o fone. É mecânico. Ele acordou atordoado e lhe chamou de “filhodeumaputa” e novamente sem ouvir, você sorriu e jogou a calça jeans em cima dele dizendo “Apressa, porra!”. Finalmente tirou o fone. Conversaram umas besteiras, ele se vestiu, você chutou sem querer o copo que estava no chão e ele te chamou de idiota e ficou rindo.

Os dois saíram, sem comer bolo. Encontraram o Bruno e o Douglas já na praça e foram andar de bicicleta pela cidade. Tomaram açaí na praia o seu tinha pouco leite condensado, buscaram a Renata na escola e agora cada um deve estar em seu respectivo quarto vegetando na frente de seu respectivo computador. Falando muito sobre nada.

E eu continuo projetando suas 24 horas seguidas minuciosamente para tentar me encontrar em algum minuto, segundo, quarto de segundo, mas não.

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