terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Pelo lado de dentro.



Enquanto você estiver por aqui, quero manter a pele sedosa, cabelo bem arrumado, café quente. Ainda calçando o salto alto, manter meu equilíbrio, guiando meus atos e deixando minhas loucuras ao deus dará.

Quero o Chico a tarde inteira adocicando meu juízo, quero preservar minha sanidade mental. Quero a tradução da sua ausência, explicação de qualquer coisa, quero o mínimo do mundo e o máximo de mim, quero estar bonita para quando o mundo acabar, quando você prometer não mais voltar, eu quero estar com as unhas bem feitas, maquiagem impecável, lágrimas no estômago – e nunca mais chorar.
Enquanto você estiver por aqui, quero falar sobre temas polêmicos, sei lá. Aborto, Obama, Crepúsculo no cinema, virgindade, gravidez na adolescência, mulheres no poder, ou melhor que isso, quero um silêncio profundo, interminável. Quero meus olhos atravessando os seus e meus lábios tocando os seus tão lentamente como se fosse tudo feito de vidro, um vidro bem frágil, prestes a se quebrar. Tin!
Quero me sentir estrela, me sentir a lua, ser desejada como a rosa deseja o olhar da mocinha apaixonada e magoada por sentir o que não pode evitar, quero me sentir paixão, me sentir amada. Doer e gostar de doer, depois acariciar com a língua o coração que não é meu, mas que por pirraça eu desfragmentei.
Quero proteger o que me resta de sarcasmo, para me divertir com você mais tarde. Guardar para sempre as lembranças eternas e fajutas, mas que no fundo não são nada demais.
Quero correr mundo a fora e te levar comigo, e se ficar por aqui, quero novos lustres, novos espelhos e novas cortinas, para fingir que está tudo renovado.
Eu quero ter você e se achar que isso é pedir demais, por favor evite milhões de noites em claro e me diga antes que pedaços de mim desabem no chão, ou não.
Por muito tempo pensei que o mundo girava em sua volta, e se fosse assim já estaria de bom tamanho, mas não, não mais.
Até um jardim me apetece mais.
Um parto na tevê, um vulcão em erupção, eclipse, cheiro de cemitério, visão de raio X, qualquer coisa, tudo quanto é coisa passa a ser mais interessante que você – ou não.
Que vai chegar, me roubar de mim e ir embora, como fez outras vezes.
Mas desta vez, quando você for, eu vou estar sorrindo e você nunca mais vai ver a cara entristecida, abatida que você largou por aqui em outros carnavais. Vou ter sorriso grande no rosto, relógio marcando a hora certa, gente me esperando e uma estrela especial no céu, brilhando só para mim. Sem poupar raios.
Quero manter minha paz de espírito, minha respiração equilibrada, papel e caneta a meu alcance, celular com créditos e três tequilas no balcão. Tudo o que puder me distrair para não te ver se afastando cada vez mais.
Cada vez mais, mas por mim tudo bem.
Quero uma blusa sem estampa, shorts não muito curtos, bolsa sem pintura e um mundo só meu, onde só eu possa me julgar, onde só eu possa me encontrar e onde só eu possa me amar. Quero um mundo só meu, ouviu isso?
Quero que essa dor seja aliviada, essa que mais me parecem facas fatiando meu órgão muscular oco. Quero curativos nas feridas da alma, remédios para passar a dor no estômago e muitos abraços outra vez.
Nada de me igualar aos porcos e nem baixar o nível a ponto de alcançar a sociedade podre, imunda que algum imbecil comandou errado. Nada de pisar nas pessoas, engordar ou perder o juízo – se bem que eu já falei sobre a sanidade mental.
Quero ser minha rainha, princesa, majestade, manda chuva, ser o que eu quiser sem ninguém impedir. Manter meu reinado de mim mesma por mais uns duzentos anos.
Quero me apaixonar perdidamente por alguém mais bonito, inteligente, engraçado e interessante que você – aí já é pedir demais.
Quero me apaixonar por alguém diferente de você – aí sim está a meu alcance.
Quero Sakê de uva e/ou morango e um mundo adiante me esperando para ser descoberto ou muito mais que isso, habitado.
Quero ser luz, tiro de escopeta, Ré maior do Paulinho da Viola, o timbre da Maria Rita e a emoção da platéia, quero ser o aplauso do Carlos Eduardo, a frescura do Gustavo, o drama do Fyllipe, o sono da noite, quero ser o frio da madrugada, o fígado do bêbado na rua por uma hora qualquer, só para saber que algo pode doer mais do que eu, algo pode estar mais destruído do que meu coração. Apodrecido, com cheiro de adubo, vermes, larvas, restos mortais, fim.

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