domingo, 11 de janeiro de 2009

Sem prestações

Foto por esse menino: http://www.flickr.com/photos/willfrombrazil

Não tinha nem tamanho, o peste do menino. Sonhava em ser artista, fazer cantiga, tocar violão. Não era o sonho de todas as crianças do bairro não, mas era quase tão impossível quanto. Quando andava, a cada passo que dava era ele pisando na crença de uma vida melhor e a cada pulo que dava, ele fechava os olhinhos e pedia “pelamordedeus’ para nunca mais tocar o chão. Vê se pode, um menino que não sabe nem olhar a hora no relógio de ponteiro inventou de querer voar. Agora deu para querer ser abutre e artista. Mas bem que poderia, o menino tinha uma voz tão bonita, tinha uma voz tão plena que quando era finzinho de tarde e ele chegava assim mais perto com aquele negócio com seis cordas de aço eu chegava a abrir um sorrisão e tirar meu chapéu. Ficava ali mais ele até o galo cantar, inventando cantiga, lembrando das mais antigas e pedindo pra filha da finada Zefinha ir anotando porque naquela varanda ela era a única que sabia escrever corretamente.

Ou senão quando não era assim, quando ele estava no quarto estudando para ser homem bem educado, eu ia para a mesma varandinha, passava por baixo da rede e sentava no batente. Tempinho depois já estava contando estrelas de bucho para cima, deitado no chão já meladinho de terra que quando o vento batia espalhava era tudo, e eu ficava lá ligando uma estrela a outra e tentando adivinhar o desenho que surgia, parecia menino pequeno.

Eu ficava lá pensando na morte da bezerra, no leite dos meninos, no dinheiro que não caía do céu que nem caiu no celeiro do senhor Joaquim, que em um instante foi embora para a cidade e em outro instante voltou por ter gasto foi tudo. Mas Deus não dá asas à cobra não, de jeito nenhum. Ah, mas se fosse no meu celeiro...

Pois então, meu moleque está crescendo, o danado. Com o jeito só dele em tudo o que faz. Desde quanto tira aquele cabelo escorrido de cima do olho, até quando vai amarrar o cordão do tênis. Mas o jeito mais bonito que ele tem é o jeito de fazer música, quem quiser que chegue perto para falar qualquer asneira, é em vão. Ou ele grita para a mãe dele ou ele finge que nem escuta.

De tardezinha, muitas vezes, junta um monte de crianças na praça, Otávio senta ao meio com o vilão bem cuidado e os demais fazem um círculo, e todo mundo fica cantando uma música popular, era bonito que só você vendo. Na cidade não é bonito assim, então reavaliando o ditado que falei anteriormente, eu acho é que Deus escreve por linhas tortas. O mundo é vasto, tem gente de todos os tipos, mas no meu sítio só tem do meu, do tipo Humano. Onde ninguém nega um prato de comida a ninguém, onde ninguém quer ser melhor do que ninguém, onde todo mundo tem lugar. No meu lar, todo mundo tem lugar.

E eu prefiro minhas frutas fresquinhas, meu jardim florido, meu leite quentinho de manhã bem cedo. Minha família toda reunida pro jantar, trabalhar no sol quente e chegar em casa e ter alguém que me abrace ser ter nojo do meu suor. Prefiro meu cachimbo, minha pinga, minha vitrola velha enfeitando a sala. Minha rede encardida, meus bichos que atendem pelo nome. Prefiro minha mulher usando chita, galinha a molho pardo e a voz e o violão do meu menino. Preciso de mais nada para ser feliz.

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