sábado, 4 de julho de 2009

Nem se soubesse.



Ele não sabe. Não sabe qual livro eu mais gosto, nem porque eu parei de ler Sangue na Neve e porque até hoje eu prometo escrever um livro e nunca dá certo. Nem sabe bem ao certo porque nós dois não daremos certo. Falando em livros, há quem ache Henry & June a minha cara, por motivos relevantes e como já devem bem saber, ele nem conhece esse romance. Ele nem sequer quer conhecer mesmo sabendo que eu gosto tanto, nem quer um motivo, não se importa. Não sabe porque eu mudei de perfume, não sabe das minhas lembranças, nem porque certas coisas me dão dor no estômago. Ele nem se importaria com minhas dores no estômago.
Não se interessa em saber porque eu fico em silêncio umas vezes e noutras eu falo pelos cotovelos. Nem se interessa em saber por que às vezes eu quero ficar mais tempo e porque em outras eu quero ir embora, e m b o r a .
Não, ele não sabe o que eu tenho em mente e nem das coisas que eu tanto tenho para falar e nunca falo, não por nada, nem esperando o tal momento certo, mas porque há vezes que eu sei que o silêncio fala muito mais bonito do que eu.
Ele nem sabe, meu jovem, nem sabe o quanto sinto saudades, nem o quanto amo, nem o quanto espero e nem o quanto sei fingir que está tudo bem, fingir que está tudo certo.
E quando nada está nos eixos eu passo a ser ela e quanto a ela, ele não sabe de nada ainda, ou já. Não sabe se ela vai cortar o cabelo, se prefere Fanta, se parou de usar drogas ou se ainda fuma Marlboro. Sabe apenas do bolo de banana que ela aprendeu a fazer com a avó, até diz que fica divino. Mas ele não sabe mais nada, não sabe se ela prefere o café muito quente, morno, frio ou se prefere água. E se soubesse, não lhe serviria.
Não sabe o quanto ela gosta de rosas, nem isso ele deve saber.

Quanto ao vermelho, ele sabe menos ainda.
O vermelho. Esta última noite o vermelho que ele odeia estava no cabelo dela, nas roupas, nas unhas, nos lábios, nas veias, nos olhos, no peito. E no peito era um vermelho vivo, escorrendo e escorrendo, sabe lá o tamanho daquela dor que lhe fazia encharcar a alma, sabe-se apenas que era frio, era constante e quando chegava no chão, o vermelho talhava. Talhava. E aquele cheirinho de vida morrendo era o que lhe fazia sorrir. O sangue.
O vermelho que ele tanto abominava era o que a sustentava em pé e com isso ele também não se importava.
E enquanto ela viajava no nada, nas bobagens, ele achava que era o último biscoito do pacotinho, a última Coca-Cola do universo, sem saber que muitos não gostam de biscoito e outros preferem só a Coca, a tal da Cocaína. E ela? Ela gostava mesmo era dos três. Que mentira.
E ele continuava sem saber, se ela ia chegar cedo, se as lágrimas eram da tal irritação nos olhos ou era uma irritação interna, daquelas que não dá para aliviar com uma gotinha de colírio. Sem saber, sem saber de nada. Sem saber porque bebia tanta água, sem saber se havia aprendido a bater de bomba no dominó sem passar a perna no adversário.

Não sabia se ainda desejava matar alguém para sentir a vida escorrer por entre seus dedos e não sabia menos ainda se a menina já havia aprendido a dirigir. Ele não sabia a sua cor favorita, seu programa favorito, não sabia se ela ainda preferia ouvir o velho Michael Jackson ou uma das novas bandas que querem chegar causando. Ele não queria nem saber.

Nem sabia porque ela gostava tanto dos coringas da sua perna, porque ela tinha um fascínio por jogos e porque ela sempre dizia que ia parar de fumar e depois de três anos esse momento ainda não havia chegado. Ele não sabia porque.
Se ela chorava, se ria, se gritava e se sumia eram motivos pessoais, não lhe cabiam.
Se nada, era nada, também não lhe cabia.
Enquanto ela o amava, ele a olhava amá-lo, deveria ser a cena mais bonita. Eu não sei por nunca ter visto ninguém olhar para mim com olhos de ternura, ternura o suficiente para me consumir por inteira, como os dela faziam.
Ela morria sem ele saber, ele morria sem saber dela.
Ele não sabia, não sabia para onde ela ia e nem por que ia e nem se de fato gostaria de ir, não sabia se ela ia mudar a cor do cabelo, se dormia com a mesma boneca, se sofria do antigo Transtorno Obsessivo Compulsivo relativo aos interruptores das escadas que subia no seu prédio. Ele não sabia nem se ela morava no mesmo prédio.

Ele não sabia, ele não queria saber, e ela ainda assim o amava e ele morria sem saber.
Ela era forte, era resistente. Quando escorriam, suas lágrimas derretiam avalanches, a pressa era a velocidade da luz. Ela era inofensiva, mimosa, simplória, até adocicada, mas não muito para não juntar formigas. Ela não era perigosa, não era fatal, ela só não se deixava amedrontar, não deixava passarem por cima dela. Ela era fria às vezes, mas quando ele passava tempos sem aparecer, ela ia derretendo aos poucos, aos pouquinhos, pouquinhos. Por que ela não dizia para ele o quanto o amava? Ela não dizia para ele o quanto amava. Para ele, não importava o quanto ela o amava. O quanto ela o amava? Quem sabe? Quem vai saber? Quem quer saber? Ele também não quer saber.

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