segunda-feira, 6 de abril de 2009

Os mortos mais vivos.


Nem eu sei o que faria caso alguém chegasse para ele e de repente contasse tudo o que eu passei cerca de dois meses para manter debaixo da terra, sem que ninguém desconfiasse. Poderiam me prender por ter um cemitério clandestino sob meus pés, mas nunca por amar alguém que não corresponde às minhas expectativas. E depois de sessenta e poucos dias a minha língua maldita acha de falar demais e a minha consciência não me apoiou em nenhum instante, tive que desenterrar meus cadáveres.
Queria eu poder controlar esse vai e vem de emoções e dizer que quando estiver afim de ir, que vá em alguém que possa segurar com cautela e não em alguém que nem vai querer segurar. É foda mesmo.
Mentira, eu não queria não. Ele é o que melhor poderia me acontecer - mesmo não acontecendo.
E os cadáveres resolveram então fazer gracinha e agora não me deixam mais dormir, ficam me assombrando no quarto, fazendo sombrinhas na luz da lua e remexendo os galhos das árvores só para atrapalhar meu sono, antes fosse só isso. Minha cabeça está cheia do fulaninho que parece que vai esborrar por todos os lados, sabe como é? Sabe quando você não consegue pensar em mais nada e nem em mais ninguém? Então, malassombro dos infernos que me dói no coração, se bem que doeria bem mais se ele fosse embora, embora nem tenha chegado.
Então eu sento naquele banco de cimento à beira mar, entre amigos, as conversas vão fluindo e eu lá olhando para ele, vidrada. Mentira, não era vidrada, mas eu sabia disfarçar bem, ou um pouco, enfim. Eu sei que ele era tudo o que mais brilhava e era só o que eu via, era inevitável, era um sem querer muito querido, só ele não percebeu. Menos mal, vai que ele virava para mim e perguntava se eu ia tirá-lo para dançar. E era uma sina, eu juro, era sina! Eu levantava, andava, andava, dava uma volta, parava no meio da multidão e quando pedia desculpas para a cara ao lado que eu tinha esbarrado sem querer, era ele. Eu ficava meio sem graça, andava novamente, encontrava uns conhecidos que ele conhecia também e ele sempre parava no mesmo ponto. Então um tempinho depois, já distanciados, eu já estava indo embora, despedi-me de uns amigos e pedi para mandar-lhe um beijo, e lá do outro lado, quase atravessando a avenida ele estava vindo, na mesma direção. “Estou indo, a gente se vê no curso, ah! As ondas não estavam muito boas e ainda por cima, os gringos ganharam o campeonato.” Eu realmente não tinha nada para falar, era só para olhar para ele um pouco mais. Eu nem sei nada sobre surf, eu odeio o sol, embora a informação fosse verdade, mas e daí? Eu queria mesmo era abraçá-lo ali mesmo e nunca mais na minha vida largar, nunca mais. Ele tem um cheiro atrativo, fala rápido demais e eu fico viciada em ouvi-lo contar alguma coisa, ele tem uma voz linda, o sorriso é tão bonito quanto e acredite, até olhá-lo ficar sentado sem fazer nada, sem falar nada, sem olhar para nada, me fascina.
Uns dizem que é coisa de gente boba apaixonada, eu acho que é só coisa de gente boba, deveria mesmo era ter levantado daquela porcaria daquele banco dizendo que ia comprar cigarro e nem querer mais esbarrar com ele. E o vício que ficou em mim? Não pelo cigarro, antes fosse. Quem disse que é fácil assim de controlar? Ah, inferno!
Eu sei que eu segui, com meus anjos ao meu lado dizendo que meus olhos brilhavam demais quando falava nele ou estava perto dele, e tudo o que eu pensava era se eu não tinha nada melhor para falar do que aquele caralho daquele comentário visivelmente dispensável.
Nessas horas que eu queria entrar em um bar, beber horrores, jogar bilhar e ir embora para casa, sem dizer uma palavra com nenhuma pessoa, mas fiz coisa melhor, fui tomar sorvete e pensar um pouco nele.
Às vezes eu me pego sentada na ponta do sofá, tomando um café quentinho, olhando pela janela gradeada. É uma imensidão de céu e que nunca acaba diante dos meus olhos, e eu fico lá insistindo em encontrar um ponto final para saber se está muito longe de ele me amar um pouquinho só, só um pouquinho de tamanho de bem pouquinha coisa... Pois está, procurar fundamento em um horizonte é perda de tempo, procurar um fim no infinito é muito bonito, muito poético, mas eu tenho mais o que fazer.
E tenho mais o que pensar a respeito de muita coisa de verdade e que me rodeia aqui e agora e não em uma ilusão, tenho mais é que rir sozinha do que sentar e esperar com a cabeça nas mãos uma gargalhada linda que ele dá e com certeza não é por eu estar ali, tenho mais é que me desprender dessa miséria dessa corda que está tentando me enlaçar e não quer mais me deixar fazer nada sem pensar em algo diferente dele. Eu tenho mais é que dormir, dormir com uma esperança linda de acordar. Tenho mais é que sair por aí pelo mundo, me apaixonar por alguém que eu não vá ver nunca mais, me apaixonar por alguém que se apaixone por mim, me apaixonar por alguém que se importe quando eu estiver ali e não me apaixonar por alguém que é apaixonado por outro alguém, por alguém que está cagando e andando para a minha paixão.
E o pior, a sensação é a mesma de quando descobri que ele ama um outro alguém, o órgão muscular vermelho e oco está se rasgando e sangrando demais outra vez.

Não, de novo não, é esse o filme que eu não quero mais ver. E quem se importa?

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